Escrever pode mudar tudo.


domingo, 11 de novembro de 2012

Caminhos de Silêncios


Esses caminhos
Entrecortados de silêncios
Me preenchem de sussurros

A voz das ondas
Canta ao longe
E o silvo do vento nos coqueirais
Responde alguma indistinta coisa
Sobre a minha cabeça

Não sei onde esses caminhos me levam
De repente,
Percebo-me tão distante de mim mesmo
E da vida que me espera
Que não desejo mais voltar

O grito alegre de um menino me chama
Corro atrás da criança que fui um dia
Mas os meus filhos fogem
Pelo gramado verdejante do tempo

Um dia será tudo outra vez silêncio
E o vento a falar, ao longe,
Nos meus ouvidos pelosos.

Aracaju, 13.XI.2010
Nagibe de Melo Jorge Neto

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Acaraú



No rio Acaraú
Três mulheres lavam roupa
Um homem se banha
Um menino preto tisnado
Bate o mato da cerca
Com um pau grande e tosco
Bate com força
Enfrenta um dragão
Três cachorros o guardam

Parece brincar, corre
Danado de menino!
Três cachorros ao lado
Acham outra moita
Pulam, ciscam, lampejam
Procuram uma caça
O Acaraú escorre tranquilo

De repente, sou o menino,
Mais importante que o mundo
Mais poderoso que Obama
Mais rico que Romney
Levantou a cabeça num susto
Achou um tiú?
O Acaraú segue tranquilo

Ninguém pensa na morte
Ela se foi embora com o rio
Ficou só o claro,
Bem claro e quente do sol
Este Agora
Este dia eterno
Depois de ontem


Sobral, 6.XI.2012
Nagibe de Melo Jorge

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Arthur Rimbaud: Aurora

A prosa poética que segue foi (e ainda é) um texto impactante quando o li primeira vez, devia ter uns 16 anos. Nunca havia lido nada tão belo. Era uma aula de redação do professor Alvisto Skeff.  Decidi cursar Letras, o que nunca se concretizou. Perdi a tradução daquela primeira leitura, passei anos procurando o texto. Reencontrei-o em uma edição completa das obras de Rimbaud, da Topbooks, mas a tradução não tinha aquele sabor, o sabor da minha adolescência. Tentei recuperá-la retraduzindo o texto, mas aquela primeira vívida impressão ainda carrego comigo e só consigo encontrá-la dentro.



Aurora

Arthur Rimbaud

Abracei a aurora do verão.

Nada se mexia em frente aos palácios. A água estava morta. Os campos de sombra não deixavam as veredas do bosque. Eu caminhava, despertando hálitos vivos e mornos, e pedrarias me fitavam, e asas se erguiam sem barulho.

O primeiro acontecimento, na trilha já cheia de frescos e pálidos clarões, foi uma flor que me disse seu nome.

Sorri à loira wasserfall que se desgrenhava entre os pinheiros: no cume prateado reconheci a deusa.

Então levantei seus véus, um a um. Pela aleia, agitando os braços. Pela planície, onde a denunciei ao galo. Na cidade ela fugia por entre domos e campanários, e correndo como um mendigo sobre os cais de mármore, eu a caçava.

No alto da estrada, perto de um bosque de loureiros, capturei-a com seus véus amarfanhados, e senti um pouco seu imenso corpo. A aurora e o menino tombaram sob o bosque.

Ao acordar era meio-dia.

sábado, 24 de março de 2012

Sobre Sonhos

Ouço dizer que
O medo de fracassar
Faz impossível o sonho
Mas não é assim, amigo
Vou lhe contar um segredo

Há sonhos impossíveis
Verdadeiramente impossíveis
Graças a Deus!
São os melhores de sonhar!

Há sonhos mesquinhos
Alguns grandes demais
Outros, fraquinhos demais,
Apenas cochicham

Há sonhos de todas as cores,
Formas e sabores
Os meus são dourados
Absurdos reluzentes
Recendem à perfume de flores e pau-rosa
Completamente fajutos

Sonho, um dia, sonhar azul
Um sonho de verdade:
Impossível! Mas crível
Com cheiro de mar e curvas
Que nunca me canse sonhar

Os sonhos são nossos fantasmas
Vestidos de festa
Pintados de música
Calçados de dança
Numa lucidez ébria e louca

Não cabem no mundo
Estão sempre esparramados
Para além do real
Por cima, por baixo
Pelos lados
Às vezes sufocam
E matam

Como miragens
Nos põem a andar
Construímos caminhos
Que se perdem entre
Cambiantes estrelas de sonhos

Um dia esses caminhos
Serão varridos pelo vento
Com eles, o real e o sonho
Restarão apenas algumas
Pálidas lembranças esquivas


Nagibe de Melo Jorge Neto
Brasília/Fort., 22/03/2012

sexta-feira, 23 de março de 2012

Sertão

No meio do meu sertão
Onde tudo é cinza
Tem uma casa
De vermelho barro
Do mesmo barro o pote
Com água fresca e doce

No meio do meu sertão
Tem esse chão pisado
O terreiro varrido
Um juazeiro ao lado

No meio do meu serão
Arde esse sol
Que tudo seca aos poucos
E tem tu, Maria.


Nagibe de Melo Jorge Neto 
Fort., 30.08.2009

quarta-feira, 21 de março de 2012

Cecília Meireles: Canção Mínima

Esse poema de Cecília Meireles é uma primorosa mostra de como a poesia pode, com tão poucas palavras, criar imagens tão poderosas e nos tocar tão profundamente.





Canção Mínima


No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta

terça-feira, 20 de março de 2012

Czeslaw Milosz: Dádiva

Czeslaw Milosz, foi um poeta polonês, nascido na Lituânia em 1911. Ganhou o Nobel de literatura em 1980. Gosto muito dessa foto de Milosz com João Paulo II, dois poloneses que sofreram os horrores da II Grande Guerra. Milosz emigrou para os Estados Unidos e, durante muito tempo, ensinou em Berkeley, na Califórnia. Foi honrado por Israel no Yad Vashem como um Justo entre as Nações

Eis um poema de Milosz que sintetiza sua esperança (in Não Mais. [tradução Henryk Siewierski e Marcelo Paiva de Souza]. Brasília: Editoria da Universidade de Brasília, 2003. p. 83):


Dádiva

Um dia feliz.
A névoa baixou cedo, eu trabalhava no jardim.
Os colibris se demoravam sobre a flor de madressilva.
Não havia coisa na terra que eu quisesse possuir.
Não conhecia ninguém que valesse a pena invejar.
O que aconteceu de mau, esqueci.
Não tinha vergonha de pensar que fui quem sou.
Não sentia no corpo nenhuma dor.
Me endireitando, vi o mar azul e velas.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pedra

Pedra
Pedra bruta pedra
Dura, rouca e mouca
Pedra dura
Áspera pedra bruta
Muda e mouca
Pedra bruta e dura
Saiu de ti Vênus de Milo:
Tu danças, pedra louca!
Veio de ti a Vitória de Samotrácia:
Tu cantas, pobre pedra mouca!
És bruta pedra,
Forte, bela, muda e louca
Ainda pedra
Ainda bela
Canta e dança, pedra!
Mas não me machuca dura
Quando eu te abraçar fria.


                                                   Nagibe de Melo Jorge Neto                       
 Recife, 23.IX.2009

sábado, 17 de março de 2012

Vértice

Dobrei uma esquina
Perdida de mim mesmo
De um lado o que nunca fui
De outro, o que não serei
Ali na esquina eu vejo
Um pouco de tudo que não sou nem serei
É ali, no vértice de mim mesmo, que eu paro
Sem poder prosseguir

Como uma águia de pedra
Minhas asas majestosamente
Abertas
São pesadas demais
Para além do real
São verdadeiras demais
Concretas demais
Jamais conseguirão voar

Em algum lugar nessa esquina
Há uma semente latente
Que firmará raízes nesse chão
Dali nunca sairá
Mas pode brotar
- Quem a aguará?
Crescerá uma árvore
Que nunca foi nem será
Sobre a árvore pousará uma águia de pedra
Imponente como a verdade
Viva, imóvel e, de algum modo,
Inteiramente falsa.

Nagibe de Melo Jorge Neto
Fort., 16/03/2012

Vereda de Chão

Borboletas de sonho
Passeiam no teu jardim em flor
Uma névoa diáfana
Enche tudo de feérica luz
Há fadas em teu jardim?
Onde pétalas voam ao vento
Sem jamais cair
Onde é sempre amanhecer
E os pássaros cantam para despertar-te,
A ti, que estiveste sempre alerta,
Nesse eterno acordar
Não procuro o unicórnio em teus campos
Admiro-o ao longe
Alado, liberto e branco
Sigo nesse burrico lento e manso
Por esta vereda de chão.

Nagibe de Melo Jorge Neto
Recife, 25.IX.2009