O carnaval acabou. Mas como acabou!? Como pode!? Dá uma
tristeza sem fim. Nada como o carnaval pra mostrar que tudo passa, que a vida é
uma grande ilusão e que, na maior parte do tempo, nos deixamos enganar. Mas que
ilusão gostosa! A euforia, a sensação de que, sim! Toda fantasia é possível.
Sim! Nós podemos quase tudo ali de frente pros Transnacionais, meio
embriagados, com os braços pra cima, as pernas cansadas de pular, enquanto o
trompete, o tamborim, a guitarra, o baixo, a percussão, a bateria ensurdecem
todos os quases e se´s.
Pessoas de todas as idades, de muita idade, de pouca idade, jovens
já não tão jovens, cabelos brancos, cabelos tingidos, corpos malhados e peles
flácidas se sacodem como a dizer em tom de desafio: vamos pra frente, ainda
temos o carnaval, ainda temos a cerveja, hoje as mulheres estão dançando! E poucas
coisas são tão belas quanto uma mulher dançando. A vida segue um pouco
desajeitada na quarta-feira de cinzas, mas é de algum lugar bem lá no meio dessa
euforia que muita coisa do que é humano faz sentido.
O carnaval nos infunde essa sensação fútil, quase ridícula,
de potência. É ridículo aproveitar a vida como se, em grande parte das vezes, ela
não fosse um sem sentido terrível e cruel. Mas aí a banda toca e a nossa
euforia também sem sentido, nossos excessos também sem sentido, todo o nosso
desejo de gozo parecem fincar um sentido bem lá no meio do desespero. Um
sentido fútil, irônico, um sentido que nos grita ao ritmo do frevo: eis tudo, a
vida é agora! Amanhã morremos e a vida segue sua sina, com seus erros, esperanças
e vícios.
Hoje, ainda é terça. Por isso eu escuto Vida Boa, composta
pelo nosso Fausto Nilo e pelo Armandinho (sim, o cara do trio elétrico) pela
enésima vez, de novo, de novo e de novo. Foi a minha música do carnaval. E eu
nem a conhecia! Desde sábado já a ouvi umas trocentas vezes, sempre na voz do
Caetano Veloso. O Caetano canta carnaval como ninguém, canta tudo como ninguém.
E tomo mais uma cerveja e fumo outro cigarro e outra cerveja. “Aonde o sonho
vai, meu sonho vai / meus sonhos vão”. Amanhã é quarta-feira de cinzas, vou me
consolar com a corrida, deixo de fumar mais uma vez e a vida volta com toda a
sua caretice, com todas as obrigações, com todo seu cinza.
Na quarta-feira nos bate essa tristeza de termos feito cinzas
de todas as nossas ilusões de potência e gozo. Mas tenho pra mim que, apesar da
tristeza, alguma coisa nasce das cinzas, alguma coisa que diz “a vida é agora,
amanhã morremos e, aí sim, tudo serão cinzas”.
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