O Natal vem vindo como o comercial da coca-cola, uma
música alegre, muitas luzes, cores e, aos poucos, nos empurra para o lado, nos
desloca um pouco fora de nós mesmos enquanto observamos felizes as luzinhas ou
observamos as luzinhas felizes, a decoração, as árvores, os enfeites.
Procuramos nossos pais, irmãos, tios, primos, os amigos
distantes e os mais próximos, os colegas de trabalho, renovamos aqueles velhos
e repetidos votos desbotados como uma maneira de reafirmar para os outros nossa
mais genuína felicidade, sim, somos felizes e gratos. Lembramos de todas as
pessoas que não serão lembradas até o final do dia porque mesmo esse dia é
curto para lembrar de tanta gente e nos invade um medo difuso e sermos também
esquecidos e de magoá-las e nos esforçamos ao máximo para ligar para todos, uma
mensagem, um olá, um “feliz natal”, qualquer coisa que diga para o outro que
sim, nós estamos aqui e nos importamos.
É Natal, estamos todos felizes e queremos proclamar isso,
sobretudo no facebook, e não queremos dar para nós mesmo a impressão de que
esquecemos ou de que não nos importamos, afinal é só hoje, é hoje que
precisamos lembrar, é hoje que não podemos esquecer ninguém, os presentes, um
chocolate pelo menos, o amigo-secreto doce para não passar em branco.
Temos medo de passarmos em branco sem dizer para os outros
que somos felizes e que nos importamos com a felicidade deles ainda que não nos
importemos tanto assim, ou apenas na medida em que se importar nos torna mais
felizes. E já não acreditamos mais em Papai Noel, nem na história do menino que
nasceu há dois mil anos esquecido em uma manjedoura, no meio dos bichos, ainda
que haja tantos meninos esquecidos ainda hoje. E só agora, justo hoje, nos
lembramos das cestas que pretendíamos distribuir, mas o corre-corre diário nos
impediu, impediu não, adiou, preferimos pensar que apenas adiou.
E, por favor, que hoje a televisão não nos venha com
notícias tenebrosas de assaltos, chacinas e meninos que nasceram esquecidos,
pois ainda temos que assar um peru, gelar um vinho, melhor dois ou três, pode
ser que apareça mais alguém. Sempre aparece mais alguém na noite de Natal e
como é bom acreditar que se importam conosco e que estarão ao nosso lado nos
guiando como a estrela guiou os três reis magos para ver o menino que nasceu
meio esquecido mas se tornou rei.
Finalmente, vamos dormir meio embriagados, meio
desapontados. Como passou rápido! Chegamos a pensar que queríamos mais tempo
para nos importar mais, para sermos mais felizes, para distribuir mais atenção
e presentes e sorrisos, mas há sempre o que fazer, além disso a rotina nos dá
mais segurança, e adormeceremos pensando na estrela que guiou os três reis e
que está em algum lugar perdida no meio de tantas luzinhas piscando e pensamos
no menino e como estava quieto e calmo o estábulo naquela noite de Natal e como
todos estavam felizes e, de repente, tudo que queríamos era estar também
naquele estábulo, mas alguma coisa nos empurrou para fora de nós mesmos.