Escrever pode mudar tudo.


domingo, 16 de setembro de 2018

Alegria, Alegria!

A Bianca tem 17 anos. Eu, como todo pai, babo. Babo. Acho a minha filha maravilhosa, linda, sensacional! Eu admiro tudo nela: o jeito de falar, o jeito de vestir, o jeito de dançar. Eu acho o máximo o jeito como ela é amiga dos amigos e amigas, a maneira como ela enfrenta os desafios e encara a vida.

Durante os últimos 17 anos eu fiz um milhão de coisas com a Bia: brinquei na praça, ensinei-a a nadar e a andar de bicicleta, tomei banho de piscina, de mar, de rio, de açude, fui ao cinema e ao teatro, li pra ela, contei histórias, brinquei de esconde-esconde, de fazer coceguinhas, fui pra dança, ouvi músicas, muitas músicas.

Ouvi todas as musicais infantis do tempo dela, os DVD’s Xuxa Só para Baixinhos fizeram sucesso absoluto aqui em casa, até hoje, se alguém der o tom, sou capaz de cantar boa parte das músicas de cor. Os musicais da Disney foram a minha trilha sonora durante anos:. Toy Story, Aladdin, Famila Adams, A Era do Gelo. Ela dançou, tão pequenininha, todos esses festivais com a Rossana Pucci. Eu batia muitas e entusiasmadas palmas da plateia. Eu sonhava com o High School Musical de tanto que escutei, assisti e dancei. Sim, eu também dançava me fazendo de Zac Efron para conquistar minha pequena musa, para ser aquele cara bacana aos olhos dela.

Quando ela entrou na adolescência, a casa foi invadida por uma trilha sonora diferente, eu não conhecia quase nada: do quarto dela ou da sala vinha funk, conheci o Nego do Borel (e gostei); sertanejo: Luan Santana, Gustavo Lima e você, Marília Mendonça, Simone e Simaria; o forró eletrônico do Wesley Safadão (ow nome!); a malandragem da Anitta e um monte de gente que não lembro.

Ela também escuta uma música alternativa excelente, dessas que é sucesso no You Tube, mas não aparece na televisão. Recomendo a Mariana Nolosco, é sensacional! Foi luta pra eu descobrir quem é a Mariana Nolasco. Sempre que eu perguntava, a Bia revirava os olhos, respondia meio de má vontade, defendendo ferozmente o seu espaço. Mas, como eu sou um pai meio chato e entrão, sempre arranjava um jeito de perguntar de novo.

Nunca consegui guiar o gosto musical da minha pequena infanta, cedo desisti de sequer sugerir qualquer coisa. Talvez algum dia eu tenha tentado os Beatles, assim muito de leve. Acho que todo mundo tem que tentar os Beatles. Sem duvida nenhuma, será sua melhor chance. Ela não deixou transparecer qualquer entusiasmo. Se gosta tanto quanto eu, ainda não dá o braço a torcer. Jogo duro. A Bia tem uma personalidade forte e faz questão de deixar os limites da sua individualidade muito claros. Eu babo. Mas suspiro. Depois da adolescência, então, muitas vezes fiquei totalmente broken heart. Tá certo, bem lá fundo, sinto orgulhoso de toda essa resolução e potência. Mas suspiro.

Pois bem, pois bem, meus amigos. Eu não poderia deixar passar em branco que, desde ontem, dia 15 de setembro do ano da graça de Nosso Senhor de 2018, escuto, vindo do quarto da Bia, persistentemente, escuto Chico Buarque, escuto Caetano Veloso! Roda Viva, Alegria, Alegria, e até Apesar de Você. Parece que o disco está furado! Parece que eu voltei no tempo e estou redescobrindo Chico e Caetano, que já eram o que são quando comecei a ouvi-los. Escuto surpreso, meu coração canta calado, não deixo transparecer a emoção.

Ver se formarem os filhos, essas pessoas tão diferentes e tão parecidas conosco, é mesmo maravilhoso.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Ainda e para sempre Dolores.

Li a notícia surpreso, triste, procurava entender. Cliquei no link, abriu o vídeo do show de Paris em 99, e me veio tudo de novo. Meus vinte e poucos anos. A vontade de engolir o mundo. Não era só a voz dela. Era a voz, claro, o modo assustador como ia da ternura à raiva na mesma melodia. Mas não era só a voz. Era a atitude. Era a dança.

Vê-la no palco será sempre catártico pra mim, como um ritual xamânico irlandês. Tenho assistido e assistido e assistido. Como passei tanto tempo sem vê-la? Em algum momento, dobramos em uma esquina correndo atrás da vida e, de repente, a vida nos atropela como um caminhão em disparada. Quando nos damos conta, ele já vai longe.

No show de Paris (https://youtu.be/de4AUcVWfSI), em 99, ela tinha 28 anos. No show de Basileia (https://youtu.be/g3zRQXK7zoc), em 2007, ela tinha 36. A mesma força. A mesma graça. Na Suíça o público é supercomportado, mas vejam como ela dança. Assistam. Tem tudo no YouTube. Faz bem para qualquer ser humano. Se você não sabe do que Sócrates falava quando falava do seu daemon, taí.

Quando cantava, Dolores encarnava o seu próprio daemon, sua essência mais profunda. Quanto mais assisto, mais me cai a ficha. Como é difícil expressar essa essência! O daemon. Nós vivemos encolhidos, escondidos de nós mesmos. Dolores se expandia quando cantava. Os jovens precisam vê-la! Precisam escutá-la! Vejam! Escutem! Expressem seu daemon! É isso que salvará o mundo!

Uma mulher e uma guitarra. Que força! Que ternura! Como ainda é transgressor! E belo! A maioria dos homens têm medo dessas mulheres. Como diria Chico Buarque, poucos nasceram pra enfrentar o mar.

Penso na Bianca: minha filha, não se deixe conter, não se deixe enquadrar, veja a Dolores! Porque toda escravidão das mulheres começa nos modos. As meninas não podem sentar assim, as meninas não podem falar assado, as meninas brincam de boneca. Meninas não gritam, meninas não dizem palavrão, meninas não tocam guitarra.

Veja a Dolores, Bianca: não tinha coreografia, dançarinos, efeitos de palco, nada. Não é como Madona ou Lady Gaga. Dolores é outra pegada. Era ela e seu daemon. Desajeitada. Deselegante. Autêntica. Encantadora porque absolutamente verdadeira. Totalmente despida. Vê-la cantar é uma epifania.

Minha filha, às vezes as mulheres se preocupam tanto com a beleza que é impossível achá-las debaixo de tantos modos, pó e maquiagem. Veja a Dolores. Atitude. Autenticidade. Aqui está toda a beleza. Veja como a menina dança. Alguém pode ser, ao mesmo tempo, mais deselegante, encantadora e autêntica? Nunca vi. Dostoiévski dizia que a beleza salvará o mundo. Não é qualquer beleza, é a beleza como se expressou em Dolores O’riordan.

Vá em paz, Dolores. O mundo é mais belo por causa de você.