Quando eu era pequeno, meu pai era um super-herói, uma
pessoa dotada de tantas qualidades intelectuais e morais que, ao mesmo tempo
que me maravilhava, me oprimia. Meu pai sabia tudo, era o melhor em tudo, fazia
tudo bem feito, era alto, forte e valente, às vezes muito valente, com uma
fúria que destruía e recompunhas todas as coisas em seu devido lugar. Aos
quatorze anos vi meu pai nu. Não sem roupa. Nu, nu, sem roupa, desde sempre o
vira. Vi meu pai sem as suas vestes míticas de pessoa infalível. Vi meu pai
como um ser humano ordinário. Foi uma decepção e um alívio: eu também podia ser
ordinário.
A adolescência procura todos os defeitos dos pais e os
coloca sob uma lente impiedosa. Talvez seja necessário, do contrário, não
conseguiríamos conviver com o modelo perfeito que nos oprime ou não
conseguiríamos escolher novos caminhos, os caminhos que nos levam para onde
podemos ser nós mesmos. Aos poucos escolhi caminhos que acabaram por me afastar
do meu pai, mas um distanciamento falso porque sempre o tive como referencia,
contraponto, inspiração, oposto, marco, limite ou o que o valha. Exemplo do que
fazer e do que não fazer, símbolo do que buscar e de onde fugir. Modelo em
tantos pontos e antípoda em tantos outros. Descubro-me uma peça de tapeçaria
tecida a partir do espelho que é meu pai, ora como um avesso perfeito, ora como
uma simbiose confusa, ora com tonalidades esmaecidas, outras vezes com cores
fortes, como se aquele primeiro modelo apenas tivesse sido renovado e houvessem
tirados uns excessos daqui e postos outros acolá.
De modo que nunca conseguirei ser como ele nem nunca
conseguirei ser diferente. Carrego meu pai em mim e aos poucos me acostumo e me
alegro com isso, sorrio já mais placidamente ao perceber que jamais serei igual
a ele em generosidade, no modo surpreendentemente leve que encara a vida em
muitos momentos e já não me sinto mais obrigado em lhe atender as expectativas,
ou o que o menino que ainda e sempre viverá em mim julga que são as
expectativas dele. Ainda precisaria viver outro tanto para aprender com sua altivez e retidão de caráter, mas também com suas incoerências, pois como ele aprendi que até a incoerência, essa qualidade que nos lembra a fragilidade humana, muitas vezes é sinal de grandeza, sanidade e amor.
Rendo, portanto, essa singela homenagem ao meu pai, que
cultivou tantas sementes em minha alma e sempre se esforçou para fazer germinar
as melhores, algumas vezes a terra foi lenta, outras vezes, imprópria, mas
ainda me surpreendo com árvores novas no meu quintal e quando lhes descubro as
raízes, me vejo indissociavelmente ligado ao semeador.