As mulheres sofrem e muitas ainda não compreendem por que
sofrem. A castração feminina (e do feminino) começa em casa, nos comentários,
nos murmúrios, nas fofocas e, grande parte das vezes, termina em casa e no
trabalho, na violência verbal, nos socos e pontapés, no feminicídio. No último
ano, 4,7 milhões de mulheres foram agredidas fisicamente; 4.254 foram mortas, desses
homicídios, 1.173 foram casos de feminicídio (quando o crime é motivado pela
vítima ser mulher).
Muitos homens e muitas mulheres (!) ainda pretendem controlar
o corpo, o pensamento e (pasmem!) até mesmo o sentimento das mulheres. Quando o
homem trai, bem... foi mal, desculpe, é apenas um homem. Quando a mulher trai, é
chamada de "vagabunda", às vezes pelo homem com quem se relacionou
(!), quase sempre por outras mulheres (!).Vencemos a luta pelo divórcio em 1977,
mas as mulheres ainda são socialmente apenadas quando se divorciam. As mulheres
separadas ainda são vistas como ameaça por outras mulheres.
Quando era pequeno, lembro das pessoas sussurrando nas
costas de mulheres muito queridas: "ela é divorciada", como se carregassem
uma marca tenebrosa. Ainda outro dia, para minha absoluta tristeza, ouvi um
comentário do tipo: "mas ele vai deixar ela viajar com a fulana, ela não é
separada?". Oh Senhor! Tende piedade! Ela não sabe o que diz! A ignorância
reina absoluta naquela cabecinha miúda.
Vivemos em um canto do planeta tão desgraçadamente atrasado que
a amizade entre um homem e uma mulher é vista como coisa impossível, com
desconfiança ou desaprovação. O que vão pensar? O que podem falar? Mulheres
conversam com mulheres, homens conversam com homens. Nas reuniões sociais
sentam-se em rodas distintas. Há assuntos de mulheres e assuntos de homens.
Quando os homens são promíscuos em seus relacionamentos, bem... são homens.
Quando as mulheres se relacionam com muitos homens, são "galinhas",
"periguetes", são perigosas, desajustadas, coitadas.
Eis aí a origem da violência contra a mulher, dos insultos
verbais, dos socos, dos chutes, dos espancamentos, das mortes. Se você se
enquadra em algum dos padrões descritos acima, é duro dizer, mas infelizmente
você também é responsável. Você é responsável por cada olhar de reprovação, por
cada comentário maldoso, por cada julgamento. Acreditamos que as mulheres não
podem isso, não podem aquilo, não podem falar alto, dizer palavrão, sentar de
pernas abertas, não podem gritar quando gozam (as putas podem, as mulheres não).
E as punimos severamente se elas ousam pensar e sentir de modo diverso do que
lhes foi determinado pela sociedade patriarcal.
Ainda vivemos nas cavernas. Na África, todos os anos, cerca
de 3 milhões de meninas e mulheres sofrem mutilação sexual, que consiste em
amputar o clitóris e partes dos pequenos e grandes lábios da vulva (ONU, 2015).
No ocidente, sequer entendemos direito como a mulher goza e como é o órgão
genital feminino. Para explicações detalhadas, divertidas e estarrecedores vale
a pena ler A Origem do Mundo: uma história da vagina ou a vulva vs. o patriarcado,
da quadrinista sueca Liv Strömquist.
Lembro que Jesus andava com as prostitutas. Ainda hoje as
condenamos e denegrimos. Quantas não sofrem enredadas nas redes de
prostituição! Quantas não sofrem por não ter o trabalho legalizado! É preciso,
no dia de hoje, homenagear as prostitutas, esquecer por um instante a
degradação moral que envolve o ato de vender o corpo, e lembrar, nem que seja
por um instante, da necessidade, da dor e da doação sublime que é o ato de
oferecer o próprio corpo.
Convivo com mulheres maravilhosas, aprendo muito com todas
elas. Minha homenagem mais que especial à minha fantástica esposa, à minha filha
extraordinária, à minha mãe, à minha sogra, às minhas irmãs, cunhadas, sobrinhas e primas.
Minha homenagem às minhas professoras, alunas, colegas e amigas queridas. São
todas exemplos para mim. As mulheres são fantásticas. Sofro com as mulheres e
me maravilho com elas. Nada é tão lindo como uma mulher andando ou dançando,
falando, cantando, discursando ou fazendo o que quiser, desde que seja livre.
Que um dia, todas as mulheres possam estar livres das
amarras que lhe são impostas. Que elas possam pensar, sentir e fazer o que
quiserem. Que possam amar e gozar como quiserem. Que possam mandar. Todo o
poder às mulheres.
Nagibe Melo
Juiz Federal. Professor da UniChristus. Autor do livro
Abrindo a Caixa-Preta: por que a Justiça não funciona no Brasil?
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