Escrever pode mudar tudo.


domingo, 5 de abril de 2015

Conversa de Páscoa

O menino remexeu a terra com um pequeno graveto, pensativo. De repente, levantou a fronte, quase sem tirar as mãos do chão.
- Mas, pai... como é que Deus salvou o mundo? Ele precisava deixar o filho morrer para salvar o mundo? Ele não é Deus?
O pai, que se balançava em uma cadeira ao lado, baixou o livro.
- Hein?
- Ele não era Deus, pai? Deus pode tudo!
O homem olhou para as nuvens carregadas que tantas vezes anunciavam chuva e não choviam. Lembrou de seu próprio pai e do dia em que fez uma pergunta parecida. O que é salvar? Como o mundo está salvo se todos os dias vemos tanta maldade e tantas desgraças?
- Pai! – o menino insistia, uma insistência bem típica dos seus 10 anos.
- Salvar é dar sentido, filho. Salvar é dar sentido.
O menino olhava meio perplexo. Voltou a cavoucar a terra.
- Esse buraco que você está fazendo aí. Daqui a pouco vai ser esquecido, vai chover, a terra vai se acumular dentro dele e amanhã não vamos saber nem onde era o buraco. Mas nós podemos dar sentido a ele. Poderíamos, por exemplo, enterrar aí um diamante precioso. Então dificilmente esqueceríamos. Esse pequeno trabalho que você está fazendo passaria a ser tremendamente importante. Saberíamos que o diamante está aí, marcaríamos o lugar e lembraríamos dele porque ele contém uma pedra preciosa.
- E Deus fez isso, foi?
O homem não sabia ao certo se Deus fez bem isso, mas resolveu arriscar e dizer da melhor forma como tudo lhe parecia.
- Quando Deus permitiu que seu único filho fosse atingido pelo sofrimento e morresse, Deus deu sentido ao nosso próprio sofrimento, à nossa morte. É como se todo sofrimento humano fosse o mesmo. Quando vemos o céu, vemos o mesmo céu. Não importa as distâncias, todo ser humano tem mais ou menos a mesma visão do céu. Todos sabemos como são as nuvens. Na Inglaterra, onde sua tia mora, as nuvens não são muito diferentes, nem as estrelas. Você lembra? Com o sofrimento é igual. Todos sofremos uma parte do mesmo sofrimento, assim como vemos todos uma parte do mesmo céu. Deus sofre conosco o mesmo sofrimento e morre conosco a mesma morte. Nosso sofrimento não é em vão, tem sentido.
- Mas o sofrimento é péssimo, né pai? Não dava para Deus acabar com o mal de uma vez?
O pai riu.

- Não sei, meu filho, não sei... Se soubéssemos, Deus não seria Deus. A única coisa que sei é que a vida é feita de alegrias e tristezas. Ninguém passa pela vida sem sofrer. A única coisa que sei é que, quando estivermos tristes, Jesus estará lá, sofrendo conosco e nos ajudando a encontrar sentido.

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