Às vezes, sinto uma necessidade visceral de escrever. É
cíclico, como o ciclo menstrual. Mas nem sempre demora trinta dias. Podem ser
ciclos de um dia. Apenas um dia sem escrever desencadeia tudo. Podem ser ciclos de quinze, de
vinte, de sessenta dias. O fato é que há ciclos, como o ciclo menstrual, que
vem acompanhado de dores e purifica o corpo. De tempos em tempos sinto uma
necessidade visceral de escrever. Algo que faz com que minha cabeça doa por
dias seguidos, como se alguma coisa quisesse sair de dentro. É uma dor difusa,
por trás dos olhos, nas têmporas, na maxila, nos dentes, em todo o nervo
trigêmeo. Pode se manifestar de um só lado da cabeça com reflexos no estômago.
Ânsias de vômito. É como se eu precisasse vomitar palavras em qualquer papel.
Ainda que sejam coisas desconexas, como isto que escrevo agora.
Mas é preciso também que alguém leia. Sem o leitor não há o
que escreve, o escritor. A escrita é um ato que só se completa na leitura do
outro. Enquanto escrevo, as palavras estão sempre ainda incompletas. Elas só
alcançam completamente o sentido quando o outro lê. E não sei se é uma boa
ideia deixar que leiam coisas desconexas em um blog da internet que qualquer
pessoa pode acessar. Porque os amigos, os amigos de verdade, entendem esses
acessos, mas as pessoas que não te conhecem, as pessoas que te julgam pelas
aparências, pelas fotos no facebook, pelo seus trabalhos, pelas suas sentenças,
pelas decisões, pelas aulas, as pessoas que te julgam pelas opiniões sempre tão
bem ponderadas e pensadas, o que essas pessoas pensarão quando o texto que sai
assim em fluxo, como um vômito, é publicado?
Tenho certeza que não é boa ideia publica-lo, mas quem
consegue controlar o vômito? O suco gástrico que sobe queimando o esôfago e
abrindo todos os canais de maneira urgente? Quem consegue controlar a
necessidade de botar pra fora?
Preciso de uma Neosaldina. Uma não, duas. Neosaldina devo
escrever com letra maiúscula. Uma substância capaz de aplacar minha dor de
cabeça, como o sol bem forte dissipa o nevoeiro e faz tudo claro e nítido, deve
sempre ser escrita com a inicial maiúscula. Viva a indústria farmacêutica! Viva
a cafeína! O que seria de mim sem a dipirona? Precisaria escrever bem mais. E
me falta tempo para escrever. Como me falta tempo, tomo uma Neosaldina. Uma
não, duas.
O pior desses momentos é que não percebo a origem do
incômodo. Uma cegueira, uma debilidade intelectual crônica me impedem de
conhecer a origem do incômodo. Fico rodando e rodando. No dia seguinte, dor de
cabeça. Leio e me angustio com a leitura. Delicio-me com a leitura.
Empanturro-me. Mas a leitura não resolve porque não vomito. O algo que preciso
botar fora continua lá. Como me angustio com a leitura! É que o que leio é
perfeito demais, é bom demais para que eu consiga emular. E tenho medo de vomitar
coisas podres. As pessoas que escrevem são jovens demais. Como podem ser tão
jovens e escrever tão bem!?
Então vomito e as palavras saem assim, esparramadas no
papel, urgentes, azedas como um suco gástrico há muito tempo guardado que me
ulcerava por dentro. Basta isso para me
acalmar. Uma página em branco, algumas palavras vomitadas. Pronto, já vai
melhorar. Muito obrigado por ter lido até aqui. É aqui, no final, exatamente
agora, que você me faz escritor e alivia a minha dor.
Nagibe Jorge
Nagibe Jorge
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